Dendê: Trabalho desgastante se assemelha ao corte da cana

Quem não dispõe de terra para fazer parcerias, pode trabalhar de empregado nos dendezais mantidos pelas empresas. A geração de empregos é outra promessa alardeada pelos governos federal e do Pará, mas também neste setor a propaganda perde o brilho perante a realidade.

Como já constatado pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da Repórter Brasil, o trabalho no dendê se assemelha, em muitos aspectos, ao do corte de cana. Debaixo de um calor difícil de suportar ou de chuvas torrenciais típicas do bioma amazônico nos meses de inverno, o manejo inicial do dendezal inclui a pesada “roça” das áreas, o plantio das mudas, a aplicação constante de veneno e adubo, e a poda das palmeiras. No estágio da produção, após o quarto ano, prosseguem os tratos normais do cultivo, e adiciona-se a colheita, que inclui corte e transporte de cachos que pesam de 15 a 60 quilos, de palmeiras que medem de dois a 30 metros. O trabalho é penoso porque os cachos e folhas da palmeira de dendê são cobertos de duros espinhos. O perigo de acidentes é grande.

Em fiscalização realizada nas plantações da empresa Marborges, uma das mais antigas e estruturadas do Pará, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) acabou aplicando mais de duas centenas de autos de infração por irregularidades das mais diversas, como a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

A Biovale, que implantou seus dendezais mais recentemente, tem sido alvo de constantes denúncias trabalhistas. Contratações irregulares feitas por “gatos” (agenciadores de mão de obra), remuneração inferior ao salário mínimo, sonegação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demissões irregulares, omissão de socorro em casos de acidentes de trabalho e outros problemas foram constatados nas regiões em que a empresa vem atuando.

De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) do município de Acará (PA), processos contra a Biovale e as intermediárias que contratam os empregados do segmento – a exemplo das “empreiteiras” Moreira Souza e cia. e Maria de Nazaré, ambas de Igarapé-Açu (PA) – vêm se acumulando. Segundo um dos trabalhadores que buscou auxilio do sindicato e que não quis se identificar, apesar do registro em carteira com salário de R$ 510 (mais a produção), seus vencimentos giravam em torno de R$ 350 mensais.
Izaquel da Silva Lima, de 25 anos, contou à reportagem que conseguia receber só um pouco mais que o piso por causa da especialização como aplicador de veneno. Contratado pela terceirizada Maria de Nazaré, acordava todo dia por volta das 4h da manhã para iniciar o serviço às 6h30. Seguia até as 15h30 e retornava ao lar por volta das 17h30. Documentos de comprovação do pagamento relativo a maio do ano passado mostravam que ele recebia – calculados os adicionais de produção e os outros previstos em lei, bem como os respectivos descontos – exatos R$ 555. À época, o salário mínimo era de R$ 545. Os ganhos acabavam sendo inferiores ao mínimo porque também tinha de pagar R$ 67 por mês por uma alimentação oferecida pela empresa que, nas palavras dele, “não é muito boa não”.

Um acidente durante o trabalho de plantio do dendê trouxe transtornos a um jovem casal ouvido pela reportagem na mesma oportunidade. Tiveram de vender seu lote de terra para a Biovale e viabilizaram forçadamente a mudança para Acará (PA). “A gente estava descarregando um caminhão. Eu estava lá embaixo recebendo as mudas que o pessoal jogava. Acabei me desequilibrando e caí em uma das covas. Trinquei minha coluna, mas não recebi nenhum auxilio da Biovale e nem de ninguém. Eles se negaram a fazer a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT). Agora já estou seis meses parado, sem receber. E sem saber se vou poder trabalhar novamente”.

Chefe da seção de inspeção da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Pará (SRTE/PA), José Ribamar Miranda da Cruz avalia que os empreendimentos de dendê ainda apresentarão muitos problemas, mas confessa que tem tido dificuldades para fiscalizar o setor. “Falta gente e, acima de tudo, falta dinheiro para as fiscalizações. Uma ação envolve cerca de cinco carros, agentes da Policia Federal (PF) e representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT). São seis dias de trabalho, no mínimo, e não temos dinheiro para nada disso. O que posso dizer é que a maioria das contratações é irregular. Há problemas sérios com fornecimento de EPIs, pagamentos de salários, transporte, abrigos, alimentação, banheiros, aplicação de veneno etc.”.

Como exemplo, Ribamar exibe o relatório de uma fiscalização realizada no início de 2010 em áreas da Biovale nos municípios de Tomé Açu (PA), Moju (PA) e Concórdia do Pará (PA). O documento descreve “um significativo número de obreiros sem registro, sem recolhimento dos depósitos fundiários, sem a comunicação do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados [Caged], com desconto indevido no salário e com pagamento de salário sem a devida formalização do recibo”. Também foi constatada a falta de EPIs, locais de alimentação sem a condição mínima de higiene e conforto, falta de abrigos contra intempéries e falta de banheiros. Um grupo de 11 empregados contratados pela “empreiteira” Paulo Leite Serviços Ltda. estava alojado em um “armazém de sacos, adubos e outros objetos, sem armários individuais, obrigando-os a guardarem seus pertences espalhados pelo chão, expostos à presença de animais peçonhentos”.

O próprio MTE avalia que as práticas de controle das famílias por parte da empresa e a imposição de regras estritas de trabalho podem caracterizar uma relação de emprego velada, passível, sob a premissa da primazia da realidade, a discussões na Justiça do Trabalho. A Agropalma argumenta, por sua vez, que sem este controle rígido (chamado de acompanhamento), o projeto estaria fadado ao fracasso.


via: Reporter Brasil

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